Café com Canela
*pode conter spoilers
Quando você pensa em café com canela, o que vem a sua mente? Bebida? Sabor? Acalento da alma?
Na minha vem mistura de sensações, o gostinho do café estimulante com a calmaria da canela, que deixa aquele gostinho docinho preso no céu da boca. Irresistível. Realmente, hoje eu amo café com qualquer coisa, por isso te passo descrições de sensações inesquecíveis.
E quando o café é abordado numa temática diferente do normal? Como assim, Bela? Num contexto relacionado a perda de pessoas queridas, onde o café desenvolve várias funções, desde alimento para o corpo até como forma de religar duas pessoas que participaram da vida uma da outra em contextos diferentes. Estou falando da professora Margarida enlutada do filho e da jovem Violeta cheia de vitalidade.
O filme Café com Canela aborda como pessoas simples que vivem de maneira pacata na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, podem lidar com o luto. Perder algo ou alguém é um momento das nossas vidas ao qual não somos preparados em nenhum momento do nosso desenvolvimento, e por isso é algo tão complicado.
Quando assisti ao filme foi possível verificar como as questões tão simples da vida pode se tornar significativas e fortes.
A professora Margarida no seu momento de total isolamento social causado pela morte do filho, uma criança que herdou o nome do pai, esse que se afasta da ex-professora e a deixa passar pelas fases do seu luto sem apoio ou demonstração de afeto. Ao meu ver por ele precisar viver o seu luto também. Margarida vive com o peso de uma carga emocional tão grosseira que a afasta de qualquer contato social e a coloca numa posição de anulação da vida, por não aceitar a ausência do seu filho e tudo isso é vivido em pequenos cômodos de sua singela casa. Em paralelo temos Violeta, uma jovem, casada com dois filhos que cuida da avó acamada e cozinha por gostar e também para ter uma renda extra.
Um belo dia, Violeta bate na porta de Margarida para oferecê-la as suas famosas coxinhas e nesse momento começa a trajetória permeada de muito afeto e cuidados entre elas. A jovem como forma de gratidão pelos ensinamentos dados pela professora na sua infância, percebe que a educadora cheia de ânimo se encontra num momento degradante e se dispõe a cuidar concretamente da “pró”. Enfrentando resistência, mas mesmo assim persistindo de maneira empática e a tratando como um ente familiar que merece ter sua vida restaurada.
O filme demonstra através de uma linguagem acessível e engraçada como a vida simples de uma cidade de interior que tem seus personagens bem marcantes pode ser cercada de emoções e transformações.
E a restauração emocional vivida entre essas mulheres fortes é promovida claro, por encontros constantes com contatos diretos e indiretos que demonstram como cuidar por ser feito por atos como presentear com uma flor, até uma faxina concreta na casa de Margarida, que promoveu a limpeza emocional da mesma, como um momento de desapego das coisas do filho e de toda carga que ela não permitia deixar ir.
As estratégias de enfrentamento oferecidas por Violeta são genuinamente eficazes. Ela parte do pressuposto que a professora precisa retomar a sua vida e oferecer-lhe sair para interagir e experimentar algo novo. Tinha que ser algo que ela dominasse, que seria andar de bicicleta pela cidade, algo que pudesse restabelecer Margarida como pessoa, corpo e mente em busca de uma nova etapa de vida. E assim se estabelece o vínculo entre a ex-professora e a jovem, que naquele momento passa a ser a que educa e passa confiança e segurança, pois nesse momento é Violeta que ensina algo novo para Margarida com a garantia que terá aprendido algo bom e benéfico para esse novo ciclo de vida.
Ah, Bela! Tudo isso, só por ela ensinar a andar de bicicleta? Tudo isso sim! No momento que alguém se predispõe a descobrir algo novo como estratégia de enfrentamento e em busca do novo, muitas questões emocionais são revistas, restauradas e promovidas, seja emocional, fisicamente e até neurologicamente.
Minha intenção aqui não é falar sobre plasticidade cerebral, mas sim sobre capacidade de resiliência das pessoas desse filme, que aborda como lidamos com as questões emocionais, seja do médico da cidade homossexual que relata suas vivências de forma sincera e bem-humorada, da ex-professora ou da jovem que cozinha e cuida da sua família como bem maior.
Eu falo de pessoas que lidam com a vida de maneira simples e claro que belatransitando ficou maravilhada de ver uma bicicleta como personagem coadjuvante nessa película encantadora e instigante que prende os nossos olhares do começo ao fim. Olha mobilidade ai!
Indico a todos a assistirem essa obra nacional e o melhor, regional que explana como é a realidade de pessoas nordestinas, baianas, humildes e resilientes.
O filme está passando nos cinemas, aproveite e vá assistir no escurinho, tem coisa melhor? Garanto que você irá sentir muitas emoções e se identificar com muitas situações dessa linda película!
Café com canela é a representação de cuidados simples, sensações sublimes, sabores e a empatia e andar de bicicleta também, não esqueça disso!
Dica de Música: Maria Bethânia - Debaixo D'agua
Assista Café com Canela: